quarta-feira, 3 de março de 2010

"A natureza marca"

Quem já jogou pelada sabe: quando o peladeiro é ruim ninguém se incomoda em marcar pois "a natureza marca"! No futebol como na política a correlação de forças pode ficar bastante assimétrica devido ao comportamento errático dos atores. Ontem a grande mídia noticiou a grande contribuição do PSDB (projeto de Tasso Jereissati) para o "aprimoramento" do Bolsa Família. A singela ideia resume-se em impor a condicionalidade do desempenho escolar ao acesso e manutenção do benefício. Trata-se da típica política pública soma-zero: zero como assitência social e zero como proposta pedagógica. Para não parecermos imparciais (rs rs rs) deixemos o "serviço sujo" para um dos melhores quadros da oposição, o César Maia:

"SENADOR TASSO JEREISSATI: ISSO NÃO É FUNÇÃO DA BOLSA FAMÍLIA! E É UM EQUÍVOCO CONCEITUAL!
1. O Bolsa Família é um programa de renda mínima com vinculações a obrigações sociais em relação ao filho estar na escola, ser vacinado, etc. Dirige-se a famílias abaixo da linha de pobreza e em especial a nível de indigência. São famílias, em geral, dirigidas pela mulher, com vários filhos. A vinculação à escola é um elemento que ajuda a reduzir a evasão, permite que dentro da escola, a criança identificada no cadastro tenha uma atenção focalizada da direção da escola e sua professora.
2. Vincular valores de Bolsa Família ao aproveitamento do aluno na escola, suas notas e avaliações, é um grave equívoco conceitual. Essa é tarefa da escola que em programas dos estados e municípios e com apoio federal, podem criar estímulos que reconheçam o desempenho do aluno. Incluir isso no Bolsa Família é confundir assistência social com educação. E ainda criar insegurança em relação ao programa. Não ajuda seu candidato a presidente."

15 comentários:

douglas da mata disse...

Aprofundando as metáforas futebolísticas:

Tremendo golaço, CONTRA.

Como já dissemos aqui e em outras searas.

bater em uma oposição dessas é como empurrar bêbado ladeira abaixo.

Brand Arenari disse...

Vale lembrar que é cruel também!
Imagina só um menino ou menina de 6 anos de idade ser o responsável se sua mae e irmaos vao ter o direito de comer ou vao morrer de fome!!!!!
É muita insensibilidade!!!!

douglas da mata disse...

Isso, Brand, é o mais próximo que o demotucanato consegue expressar de sensibilidade "social".

Cruz credo.

Roberto Torres disse...

Galera, tenho uma dúvida importante. Alguém sabe precisar o conteúdo do projeto de lei do Tasso? Pelo que eu vi nos jornais e pela reacao do governo, no congresso e com Lula, o recebimento do Bolsa Família nao é condicionado ao desempenho dos meninos. A novidade é a de um acrescimo, este sim condicionado pelo desempenho escolar. Inclusive a bancada do PT e do governo, menos Ideli Salvati, votaram a favor.

O próprio Lula ironizouo: "Se todo o mal que o meu governo puder causar é os meus adversários tentarem aprovar mais políticas sociais, ótimo".

É uma questao difícil sem dúvida avaliar o impacto deste acréscimo na vida dos afetados, mesmo sem o risco de perder o Bolsa Família. Mas de todo modo eu discordo de que se tratem de confundir conceitos (assistencia social e educacao), mas de uma possibilidade de vincular as duas coisas. Uma coisa é a renda mínima, que nao é posta em questao, outra coisa é a possibilidade de um plus. Nao sei se isto seria tao devastador para os afetados. Existe competicao entre eles, como em todo lugar. E as criancas, nao raro, ja sao afetadas pela necessidade de ampliar a renda. Nao sei... mas me pareceu uma possibilidade de vincular competicao com uma seguranca minima, o que é um pressuposto para a emancipacao sócio-economica.

um abraco,

douglas da mata disse...

Caro Roberto,

O debate é ótimo, mas veja:

Se houvesse alguma intenção de vincular a escolaridade com alguma competição, a proposta teria que ser outra:

Ao invés de punir o aluno com a retirada do benefício(a condição está expresa na proposta), o senador tucanalha deveria ter copiado a idéia de Cristóvão Buarque, que foi o primeiro a pô-la em Brasília, quando era governador do DF pelo PT.

A cada ano que houvesse desempenho satisfatório, uma bolsa adicional(13º)era depositado em uma poupança, sem possibilidade de resgate até o término do 2º grau.

Se queremos competição temos que premiar os melhores, sem esquecer que o aprendizado é um processo assimétrico(ainda mais em comunidades carentes), e que portanto, não se pode punir quem está em desvantagem dentro de um ambiente super desvantajoso.

Um abraço.

Brand Arenari disse...

Vale lembrar que o bolsa familia beira entorno de 79 reais e mesmo que seja mais, ainda é muito pouco. Qualquer ganho adicional é decisivo para a família. Colocar esta responsabilidade em uma crianca é muito cruel.
Nao tem cabimento trazer o ideário da competicao selvagem do liberalismo "meritocrático" para quem vive na extrema miséria.
Os mecanismos tem que ser outros.
Eu discordo completamente disso.
Salve Ideli Salvatti!

Roberto Torres disse...

Existe entao a coisa da retirada do benefício?

douglas da mata disse...

Por isso Brand, defendo a idéia da poupança, a cada fim de ano.

Ou seja, esse "plus" não se incorpora ao "patrimônio" da família, e fica como um simbolo da dedicação.

Eu prefiro(por mais ingênuo que pareça)enxergar esse "plus" como um símbolo de premiação pela dedicação, e não como um incentivo a competição liberal desenfreada.

Enxergar os pobres como incapazes de competir não seria também uma forma de segregá-los?

Ou seja, é preciso, pouco a pouco, inserir conceitos, que uma hora ou outra, essas crianças terão que enfrentar.

Ou não? O debate está aberto.


Roberto: eu vou procurar detalhes da proposta, mas o que saiu na mídia, parece que funcionaria como punição, sim.

douglas da mata disse...

PS: outro ponto para refletirmos:

Não são as crianças e a própria pobreza já um resultado acabado dessa competição meritocrática liberal?

Por que não ensiná-los a competir?

Brand Arenari disse...

Douglas concordo que a competicao é inerente a vida, nao tem como fugirmos dela. Só que acho que importante que em estágios iniciais da vida exista um esfera de "benefícios" incondicionais. O principal deles é o afeto. O que é decisivo no sucesso dos alunos no colégio nao é o seu esforco pessoal(eu acho), mas sim o que está entorno da colégio, como a família. Mas isso é um outro papo.

Acho que os melhores alunos devem ser incentivados dentro da lógica escolar, e nao fora dela. Assim os melhores alunos podem ganhar cursos extras (linguas, esportes e etc), ou outros bens ligados a vida escolar. E nao no auxilio do sustendo do lar.
temos que garantir o direito a infancia para as classes pobres. Só as criancas da classe média tem direito a infancia. Isso significa tempo livre para estudar e brincar. nao devem se ocupar com atividades relacionadas ao trabalho e o sustento da vida doméstica, como é o caso das criancas pobres do Brasil.
Acho cruel criar este peso para criancas. Acho que isso nao é tutelá-las.
Mas isso sao impressoes vagas, podemos discutir mais.

douglas da mata disse...

Vamos lá,

Meu caro Brand, de certa forma, as crianças da classe média estão imersas em outras competições que lhe privam a mesma "inocência".

Enquanto pobres têm que trabalhar nas ruas, ou estudar para ganhar o bolsa-família, os de classe média são sobrecarregados com cursos, línguas, esportes, tratamentos de beleza, etc.

São expressões distintas de como o princípio de competitividade se instala em um país desigual, mas a essência permanece: crianças sem ser crianças, ou pela pobreza, ou pela necessidade de ter sucesso.

Mas parece que você não entendeu: a idéia da poupança é pessoal e intransferível pou seja:o dinheiro só pode ser sacado ao final dos estudos e ou, com 18 anos.

É, assim, um prêmio pessoal.

Mas voltando ao outro tema: competição para "los niños e niñas":

Eu também acho desumano impor a uma criança a responsabilidade de sustento familiar, ainda que essa obrigação esteja vinculada a uma tarefa que lhe dará maiores chances no mundo: estudar.

Mas veja que essa competição se dará de qualquer forma: quer se estiver no estudo, quer se esteja nas ruas, nos sinais, vendendo bala.

O problema é anterior:

Diminuir as diferenças de classe, para que essa competição seja menos assimétrica(pobres lutam por comida, e médios e ricos lutam por sucesso), e também medir(ou dosar)o quanto de competição é saudável e aceitável sobre crianças.

E lembre-se: até nas brincadeiras de criança essa competição se manifesta.

Caso contrário, não tem evolução.

Um abraço.

Roberto Torres disse...

A responsabilidade de trazer uma renda decisiva para casa realmente é um fragelo. O cálculo meritocrático nao é e nao deve ser a lógica da vida familiar. A racionalidade economica nao pode se estabelecer enquanto critério para o valor que os filhos recebem dos pais. Mesmo que na classe média exista comepticao por sucesso, acho que o cálculo economico tende a ser mais impositivo justamente em famílias com menos renda, onde a luta é por sobrevivencia.

No entanto, a família nao esta solta no mundo e dentro dela, nas famílais de classe média também, se comeca a antecipar o que acontece "lá fora". Se as famílias pobres nao conseguem recursos para fazer esta antecipacao isto pode decretar a derrota de seus filhos.

Entao o desafio é como empoderar famílias para que elas, além de lares seguros, sejam este espaco de preparacao para a competicao social. Neste sentido, nao é so uma questao do liberalismo, é um fato social que se impoe a todos.

A proposta da poupanca é interessante, mas vejo um problema. O postergar do premio para um prazo muito longo, pouco tangível. Nao acredito nessa coisa de planejar o futuro, acho que ninguem faz isso. O que existe sao atualizacoes presentes da crenca no futuro, e isto depende de premios. O afeto dos pais, e a culpa por comprometer o futuro com nossas acoes presentes, parece ser o que faz uma crianca agir orientada pola idéia de futuro.

Por isso Brand nao acho a lógica da escola seja capaz de produzir, sozinha, o tipo de adesao e comportamento estudioso que ela pressupoe. Sem que, desde o comeco, as questoes da escola importem na relacao em casa, ou mesmo em outras relacoes com pessoas significativas, creio ser muito improvável a crianca desenvolver uma disposicao para os estudos.

A questao espinhosa aqui é como produzir nas pessoas determinadas disposicoes para agir assim ou assado.

Outra coisa que nao podemos perder de vista nisto é que nao é obvio que o futuro melhor sentido pela crianca como sendo o seu possível futuro passe por se tornar alguem estudioso. A vida rural nao é coisa do passado e o trabalho infantil no contexto da família e como forma de socializacao familiar nao é algo obviamente condenável, nem na cidade.

Um abraco,

douglas da mata disse...

Acho que Roberto traduziu, em linguagem científica o que disse:

trata-se de equiparar o ambiente meritocrático que incide sobre as famílias, e não extinguir as famílias desse ambiente, de forma artificial.

depois, ou durante o processo, medir e dosar o quanto de competição é desejável, e o quanto dessa competição não tolhe as escolhas de cada um sobre o próprio futuro a seguir, e no fim das contas, o que cada um entende como sucesso.

não dá para repetir, por exemplo, modelos como o coreano(alardeado sempre como bem sucedido).

a extrema pressão e cobrança elevou o número de suicídios entre jovens a níveis alarmentes.

mas por outro lado, nenhuma cobrança também não funciona.

a questão da poupança, meu caro pode ser melhorada para uma possibilidade de saque sazonal, desde que deixado algum para o "futuro".

eu concordo com você, Roberto, que a perspectiva de futuro nunca foi, culturalmente aceita aqui. mas o problema é esse: não tinha futuro.

na medida que essa possibilidade começa a se apresentar, temos que incluir na vida dessas pessoas esse traço de planejamento, ou pelo menos, incutir esses valores, por vários motivos:

para aproveitarem melhor o que as intervenções econômicas vão permitir, mas acima de tudo, para aumentar as possibilidades competitivas desse pessoal, que não mais terá a "desculpa" da carência daqui e duas ou três gerações.

um abraço.

Roberto Torres disse...

Repeti o que disse mesmo rs.

Mas ainda tenho ressalvas quanto a idéia de que a direcao do futuro, enquanto uma dimensao que orienta a vida das pessoas, seja algo assegurado pelo fato do indivíduo poder internalizar esta orientacao. Acho que dispor de um futuro é muito mais dispor de condicoes sociais e institucionais (familia, escola, exemplos)que confirmem permanentemente a crenca no futuro, que vale a pena adiar o os premios e os prazeres.

Acho que a idéia de que existem indivíduos que projetam o futuro e outros que nao essencializa nas pessoas um processo social. Claro que existem estas diferencas, mas é preciso ver que as decisoes individuais sao encadeamentos fora da consciencia. bo

douglas da mata disse...

Na verdade Roberto, não há o conflito que você imagina entre as duas variáveis, elas são, a meu ver, indissociáveis:

É preciso TER, obejtivamente, esse futuro, ou seja, as condições materiais para que aconteça;

Mas essas condições não serão NADA se não houver a decisão de inaugurar o DEVIR.

Um é papel do Estado e da sociedade, mediado pelas instituições.

Outro está mais adistrito ao círculo pessoal do indivíduo(família), que mediará sua intervenção na realidade.

Mas não há um limite preciso entre essas duas esferas, e nem há como definir qual é causa é qual é efeito.

Bom, pelo menos isso não estava nas "orelhas" dos livros que não li.

Um abraço.