sábado, 22 de janeiro de 2011

"Considerações inamistosas"



Robert Musil dizia que uma das características de nossa época é a ampliação democrático/vulgar do conceito de genialidade. Segundo ele, no século XX tratamos como gênios desde pensadores fundamentais, grandes artistas, cientistas brilhantes até jogadores de futebol e cavalos de corrida. Autor de "O Homem Sem Qualidades" (único, desconcertante e inacabado!), manifesta sua genialidade nas seguintes "Considerações inamistosas":


"O que é a vida?

Vida é viver: a quem não a conhece não há como descrevê-la. É amizade e inimizade, assombro e desengano, peristalismo e ideologia. O pensamento tem, além de outros objetivos, o de criar ordens mentais em tudo. Também o de aniquilar. A ideia faz das muitas manifestações da vida uma só, e do mesmo modo uma manifestação da vida faz freqüentemente de uma ideia muitas outras novas. É notório que nossos poetas já não querem mais pensar, desde o instante em que acreditaram ter ouvido da filosofia que não é permitido pensar pensamentos, mas sim que se deve vivê-los.

A vida é culpada de tudo.

Mas, por Deus: o que é viver?"

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Malandro demais vira bicho...

Já nos ensinou Mestre Bezerra da Silva!
Repercute ainda na mídia local - pelo menos na versão virtual de uma das poucas reservas de credibilidade de uma certa folha local - o episódio inexistente da especulação sobre a hipótese de filiação do Vereador Marcos Bacellar (PTdoB) ao Partido dos Trabalhadores. Inexistente, que fique bem claro, sob o aspecto institucional, na medida que cada filiado, desde o mais recente companheiro até os mais laureados dirigentes - aí incluida toda a galeria dos(as) ex-presidentes(as) do DM local - podem sem dúvida falar por si mesmos. É claro que cada um é responsavel pelo que diz, mas o que nos interessa aqui é esclarecer definitivamente a diferença ente um convite pessoal e uma manifestação institucional do partido, que estatutariamente, em casos envolvedo parlamentares com mandato, só pode ser encaminhada após deliberação formal da instância partidária correspondente, no caso, o DM de Campos.
Cumpre ainda a este blogueiro, Secretário de Comunicação do PT local, informar que o companheiro Eduardo Peixoto, Presidente do PT municipal, em nenhum momento fez declaração pessoal sobre o episódio. Pelo contrário, a nota distribuida por ele à imprensa local (clique aqui para ler) foi construida - a partir de diretrizes aprovadas por reunião do Diretório Municipal realizada no último dia 13 de janeiro - pela comissão executiva municipal do partido. Como membro da CEM, participei de sua redação. Assim, seu conteúdo resultou de exercício natural da tradição democrática de funcionamento do Partido dos Trabalhadores.
Também não há registros significativos de casos de ex-presidentes(as) deste DM que tenham voluntariosamente convidado políticos com mandato para filiarem-se ao partido. Não é uma praxe e realmente os(as) valorosos(as) companheiros que presidiram o Diretório não estão autorizados a faze-lo, a não ser como ato pessoal, ad referendum da instância partidária competente.
Enfim, o assunto rende na mídia local, agora sob o pretexto de lançamento precipitado de pré-candidaturas à prefeitura em 2012, o que não sei se favorece a manutenção da unidade no próprio PT, tanto menos na Frente Democrática!
Parece que há uma sequencia de açodamentos servindo a propósito de pavimentar projeto político de um grupo ou de determinada liderança petista. Legítimo, mas não sei se saudável para a construção de um projeto partidário plural, e, muito menos, para a composição de uma Frente Ampla de oposição ora em construção. Vejamos como evolui esta série de expedientes astutos que parecem unir setores do partido e interesses da mídia local... os "manés" aqui estão atentos, dispostos mesmo a aprender com os sabidos de plantão, inclusive no que se refere a possíveis efeitos colaterais de tanta malandragem!

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Nova Classe Trabalhadora X Nova Classe Média



Algumas postagens abaixo figura um artigo do Prof. Marcelo Nery, membro do Centro de Pesquisa Social (FVG) e coordenador da pesquisa "A Nova Classe Média: o lado brilhante dos pobres" ( Veja a pesquisa ). Tal trabalho, baseado nos microdados do PNAD, e analisou "a evolução das classes econômicas brasileiras (A, B, D, E e C que batizamos em pesquisa anterior de nova classe média brasileira, retratadas num nível maior de desagregação (C1, C2, D1 etc). Estas classes são definidas por suas rendas (trabalho, aposentadoria, programas sociais etc), seus bens de consumo (carro, duráveis, moradia etc), uso e acesso a ativos de produção (educação, internet, carteira de trabalho etc). Estes atributos permitem analisar o grau de sustentabilidade das transformações em curso (isto é, até que ponto mudou mesmo?)".


Em contraposição frontal a essa abordagem e suas conclusões, especialmente ao conceito de "Nova Classe Média", erige-se a inovadora interpretação sociológica desenvolvida pelo Prof. Jessé Souza. O mais recente produto editorial dessa linha de pesquisa denomina-se Os batalhadores brasileiros: nova classe média ou nova classe trabalhadora? e conta com a participação dos camaradas dos "Outros Campos" (Brand e Torres).


Confira a seguir a interessante entrevista concedida pelo Prof. Jessé ao Boletim UFMG (Dez/2010). De modo sintético temos a interpretação inovadora e crítica de Jessé Souza sobre o fenômeno social crucial do Governo Lula e seus desdobramentos:


O grupo de brasileiros que ascendeu socialmente nos últimos anos e ocupa novo patamar na pirâmide de classes ainda é uma incógnita. Há analistas que o classifica como a nova classe média brasileira, definição refutada pelo sociólogo e professor Jessé Souza, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), e autor do livro Os batalhadores brasileiros: nova classe média ou nova classe média trabalhadora? Recém-lançada pela Editora UFMG, a obra é resultado de pesquisa encomendada pela Secretaria de Estudos Estratégicos do Governo Federal.


Como surgiu a ideia de trabalhar com esse grupo social?


A intenção inicial era fazer uma trilogia sobre as classes sociais no Brasil com ênfase nos fatores não econômicos, os únicos normalmente percebidos. Como já havíamos realizado o estudo sobre a “ralé”, a ideia de pesquisar o segmento imediatamente superior, oferecendo assim um quadro mais completo das classes populares no Brasil, foi um desenvolvimento natural. Agora queremos estudar as classes dominantes, média e alta, com os mesmos métodos.


Quais os critérios de categorização da classe média?


A classe média é, antes de tudo, aquela que se apropria do capital cultural como base de seu privilégio social. O capital cultural nas suas diversas formas é a base do funcionamento do mercado e do Estado sob a forma de conhecimento técnico e útil, principalmente. Dessa necessidade objetiva as classes médias retiram toda a sua importância. O capital econômico expressivo é, por sua vez, privilégio das classes altas. Em conjunto, as duas formam as classes dominantes e que têm interesse na reprodução eterna de seus privilégios.


Quem é classe média hoje no Brasil?


Na nossa pesquisa preferimos definir a classe em questão como sendo uma “nova classe trabalhadora” brasileira, chamada impropriamente de “nova classe média”. Isso porque ela parece se definir como uma classe social com baixa incorporação dos capitais impessoais mais importantes da sociedade moderna, capital econômico e capital cultural, o que explica seu não pertencimento a uma classe média verdadeira. Em contrapartida, desenvolve disposições para o comportamento que permitem a articulação da tríade disciplina-autocontrole-pensamento prospectivo. Essa tríade motivacional e disposicional conforma a “economia emocional” necessária para o trabalho produtivo e útil no mercado competitivo capitalista, aspecto que separa essa classe do destino dos excluídos brasileiros. Esse contexto é precisamente o nicho clássico das classes trabalhadoras que desenvolvem atividades úteis no mercado competitivo ainda que sob condições de trabalho intensivo e prolongado. Só que, nas condições modificadas do pós-fordismo que caracterizam o mundo do trabalho a partir dos anos 90, a classe trabalhadora também muda, porque ela se acredita “empresária de si mesmo” e com isso dispensa os gastos clássicos em controle e supervisão do trabalho, produzindo riqueza e excedente de lucro ainda maiores.


O que o senhor define como economia emocional?


É o nome que dou ao conjunto de disposições afetivamente incorporadas na socialização familiar que formam o indivíduo diferencialmente aparelhado para a competição social mais tarde. Algumas classes desenvolvem a capacidade de concentração para o estudo, por exemplo, enquanto outras já chegam, por exemplo, na escola, sem essa disposição afetivamente construída e incorporada pelo exemplo – afinal imitamos a quem amamos –, o que dificulta o aprendizado enormemente. Essa produção social do mérito individual é precisamente o segredo mais bem guardado de todas as sociedades modernas. Se prestássemos atenção a ela, não falaríamos de “mérito individual” esquecendo a produção social do mesmo, em condições de privilégio para alguns e de carência para outros. Assim, não culparíamos, como fazemos hoje, a vítima por carências que são de responsabilidade da sociedade que os abandona.


Qual é a importância dessa nova classe para a economia brasileira?


Foram esses brasileiros da “nova classe trabalhadora” que construíram os fundamentos do desenvolvimento econômico que vivenciamos hoje em dia. Para seu fortalecimento e continuidade não é importante apenas a conjuntura econômica, mas também políticas sensíveis e corajosas que possibilitem a incorporação de setores da “ralé” a ela. Temos que aprofundar o círculo virtuoso criado no Brasil pelas políticas assistenciais e de microcrédito. Para onde quer que essa nova classe de brasileiros batalhadores se incline, dessa inclinação dependerá também o desenvolvimento político e econômico brasileiro no futuro.


Esse fenômeno em curso hoje no Brasil já ocorreu de forma similar em outros países?


O novo regime de trabalho do capitalismo financeiro em nível mundial encontrou nela – assim como em frações de classe correspondentes em países emergentes como Índia e China – sua típica “classe-suporte”. Sem a socialização anterior de lutas operárias organizadas, disponíveis para aprender trabalhos de qualquer natureza e dispostas a se submeter a praticamente todo tipo de superexploração da mão de obra, essa nova classe social logrou ascender a novos patamares de consumo às custas de extraordinário esforço e sacrifício pessoal. Essa parece ser a “vantagem comparativa” real dos países emergentes.


(Boletim UFMG - 6/12/2010. Autora: Gabriela Garcia)

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Minc escreve: Desastre na Serra

Desastre na Serra

Fiquei indignado com as referências feitas a mim na matéria de capa da FSP deste sábado. Sou tratado como um simplório ou irresponsável que acha ser um mero detalhe a não remoção das famílias das áreas de risco. Sempre lutei por isto, garantindo instrumentos, verbas, acionei prefeitos irresponsáveis, participei de ações no terreno. Como secretário estadual do Ambiente, de janeiro de 2007 a maio de 2008, destinei recursos ao mapeamento de risco de diversas áreas, incluindo a Região Serrana, também à montagem de uma rede de hidrometria, para enviar alertas da cheia dos rios às prefeituras, o que efetivamente foi feito com antecedência neste desastre, para Friburgo, e a Defesa Civil Municipal não estava preparada para tomar as providências cabíveis. Acabamos com o lixão de Teresópolis e municípios vizinhos, criando o aterro sanitário intermunicipal. Como deputado estadual, investi contra a ocupação ilegal das encostas com apoio de órgãos públicos do MP, acompanhado pela mídia em dezenas de ações. Inclusive em Teresópolis, na APA Jacarandá, contra autorizações ilegais concedidas pelo então prefeito Mario Tricano para construções populares em áreas protegidas. Como ministro do Meio Ambiente, dobrei a área do Parque Nacional da Serra dos Órgãos, em setembro de 2008, de 10 mil para 19 mil ha, nos municípios agora afetados. E garantimos recursos no PAC para o saneamento e recuperação dos rios Paquequer e Piabanha, em Teresópolis e Petrópolis. Entre maio de 2007 e abril de 2010, estive à frente do Ministério do Meio Ambiente, garantindo o menor desmatamento da história da Amazônia e que o Brasil fosse o primeiro país em desenvolvimento a adotar metas de redução de emissões de CO2. Meu comentário foi claro: não basta a definição da área de risco, para o que contratamos a UFRJ, mas uma série de procedimentos complexos para desocupá-la. Há mais de 15 anos sabemos quais são as áreas de risco na cidade do Rio de janeiro, onde moram 25 mil pessoas, e só agora com as UPPs e vontade política e também com o PAC das comunidades, o processo avança. Relatei o que fizemos: mapa de risco e início da rede de hidrometria, e o que faltou, política municipal séria de remoção. E a matéria me coloca como um ingênuo que diz que faltou um pequeno detalhe. Sinceramente, é inaceitável. Em nossas grandes obras contra as inundações que executamos na Baixada Fluminense, de recuperação das bacias do Iguaçu, Sarapuí e Botas, já realocamos duas mil famílias que viviam às margens destes rios, e o trabalho prossegue. Com isto muitas vidas foram salvas. Nossa postura é conhecida e merece respeito, que faltou nesta matéria.

Carlos Minc, secretário estadual do Ambiente RJ, foi ministro de Estado do Meio Ambiente (2008/2010)

Erradicação da miséria, proposição ousada

Erradicação da miséria, proposição ousada

PAUL SINGER

Não sei de qualquer governo nacional que tenha se proposto a erradicar a miséria de seu país em quatro anos de mandato. Ainda assim, nossa presidente Dilma Rousseff apresenta essa meta como a fundamental do seu governo.
Apesar de inédita, não lhe falta credibilidade, dado que o seu antecessor alcançou redução surpreendente da miséria em seus dois mandatos. Seja como for, a erradicação da miséria exigirá tal empenho da sociedade e do governo que só uma mobilização total de suas melhores forças a tornará realidade.
Miséria é pobreza tão extrema que suas vítimas frequentemente não sabem quando e nem de onde virá sua próxima refeição; moram ao relento, pois não têm trabalho e nem renda regular.Vivem sujeitos ao acaso, como diz o povo, "ao Deus dará". Erradicar a miséria só pode significar transformar a vida dessas pessoas.
Não bastará lhes dar dinheiro para que possam adquirir ao menos o essencial à sobrevivência. Para que possam mudar de vida, será preciso que se convençam de que são capazes de se unir e juntos alcançar pelo trabalho padrões normais de vida.
A maioria dos muito pobres vive em comunidades situadas em bolsões de pobreza, e sua sobrevivência se deve em boa medida porque se ajudam mutuamente.
Esse é um instinto humano, que pode ser observado em ação em qualquer situação catastrófica: enchentes, terremotos ou incêndios.
A vida dos miseráveis é desastrosa: quase sempre correm perigo de perecer, do qual são salvos, às vezes, por uma mão amiga, que não raramente é a de outro miserável que o necessitado de hoje pode ter ajudado antes. Deixar a miséria pode representar, para a pessoa, abandonar uma normalidade cruel, mas à qual se acostumou, e se separar de companheiros de sina com os quais se sente protegido.
Para ele, a questão crucial pode ser: que alternativa de vida os que querem erradicar a miséria lhe oferecem? Possivelmente muitos dos que agora são miseráveis nem sempre o foram, mas por diversas circunstâncias perderam tudo.
Os que em consequência enlouqueceram ou ficaram dependentes de álcool ou drogas talvez não queiram voltar à vida que já tiveram, porque a perda dela lhes foi demasiado traumática.
Erradicar a miséria, do ponto de vista de seus beneficiários, é mudar profundamente suas vidas.
Para que aconteça, é indispensável que os seus beneficiários também sejam seus sujeitos, e não meros objetos; que eles possam optar por projetos que lhes exigirão empenho para conquistar um padrão normal de vida não apenas para si, mas possivelmente para uma família e uma prole.
Para tanto, será preciso que participem da elaboração dos novos projetos de vida e que recebam os recursos essenciais para realizá-lo.
Nos últimos sete anos, nós da Secretaria Nacional de Economia Solidária participamos diretamente de programas que permitiram ao governo Lula erradicar parte da miséria brasileira: o Fome Zero, a transformação de moradores de rua em recicladores de lixo organizados em cooperativas, de egressos de manicômios e penitenciárias em membros de cooperativas sociais, de trabalhadores sem terra em camponeses assentados, além de muitas outras comunidades socialmente excluídas.
Aprendemos que erradicar a pobreza é possível e, se assim o é, se torna eticamente necessário. E que serão os pobres que se redimirão, é claro que com o auxílio dos poderes públicos e dos movimentos sociais.

PAUL SINGER, 78, é secretário nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego. Foi secretário municipal do Planejamento de São Paulo (gestão Luiza Erundina).

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

O coletivo de brasileiro




A VIDA DE CADA brasileiro vai melhor que a do coletivo de brasileiros. Essa é a impressão tirada do Gallup World Poll. Na pergunta subjetiva sobre a expectativa da satisfação de cada pessoa em cinco anos, numa escala de 0 a 10 a média brasileira é 8,78, a maior de 132 países.


Já a pergunta que se refere à nota do país no mesmo período e na mesma escala, a nota cai dois pontos. Somos o nono país do mundo com maior diferença de notas individuais e coletivas.


A felicidade geral da nação é menor que a soma da felicidade de cada um. Como o brasileiro pode dar uma nota tão alta para sua vida e dar uma nota tão baixa para a vida de todos brasileiros? Eis a questão.


A dissonância entre as percepções de cada brasileiro sobre sua vida e sobre a vida de todos os brasileiros é uma marca tupiniquim, a nossa jabuticabeira.


Talvez fruto dela, os grandes problemas brasileiros são de natureza coletiva, e não individuais. Não que os últimos não sejam aqui relevantes, pois em todas as partes sempre o são. Porém a nossa dificuldade diferenciada enquanto nação está mais na relação entre pessoas.


Isto é, o problema do Brasil é mais do Brasil do que de cada brasileiro. Como um enunciado alternativo da lei de Gerson: "O brasileiro quer tirar vantagem em tudo". Por problemas coletivos entendemos desigualdade, inflação, informalidade, violência, ditadura, entre outros. Mas por que chamá-los de problemas coletivos? Por exemplo, desigualdade, ao contrário da pobreza, é um conceito relacional que não existe no indivíduo tomado isoladamente.


Não podemos dizer que uma pessoa é desigual, mas dizemos que uma pessoa é, ou não é, pobre. O Brasil não é um país pobre, mas temos muitos pobres, pois somos desiguais -onde muitos têm pouco enquanto poucos muito têm.


A pobreza brasileira resulta da alta desigualdade brasileira, e não da baixa renda média brasileira. Ou seja, deriva de um problema inerente ao coletivo de brasileiro.


Similarmente, a violência é de natureza relacional, um contra todos e de todos contra um. Isso se aplica tanto na agressão dos assaltos, dos homicídios, como na violência do trânsito. Mais uma vez, refletem problemas de relacionamento.


A informalidade é outro problema de relacionamento de pessoas físicas e jurídicas em relação ao Estado. A falta de instituições e de práticas democráticas é outra dimensão mais óbvia dessa dificuldade de funcionamento em coletividade.


Finalmente, a inflação tem um destaque maior: apesar de termos feito a estabilização há 15 anos, o Brasil no período 1970 a 2008 ainda é o segundo país do mundo em inflação acumulada, só perde- mos do Congo. O fenômeno da inflação guarda sempre conflitos distributivos.


As externalidades negativas emanadas do oportunismo individualista faz com que o todo seja menor que a soma das partes.


Objeto de vários clássicos brasileiros como os de Sérgio Buarque de Holanda e de Roberto da Matta, a novidade é que pudemos, através da melhora de relacionamentos, dar verdadeiros saltos enquanto sociedade. Senão, vejamos:


As décadas de 60 e 70 foram tanto do crescimento como da ditadura iniciada em 1964. Após o choque do petróleo e a vitória eleitoral da oposição em 1974 começou a distensão política.


O processo culmina nos anos 80, a década da redemocratização, cujo ápice foi o Diretas Já de 1984. A década de 90 foi a da estabilização, após o Plano Real. Já a década recém-encerrada foi a da queda da desigualdade de renda.


Coincidentemente os pontos de transição de cada década foram em anos terminados em "4", Golpe de 1964, a distensão política iniciada em 1974, Diretas Já de 1984, o Plano Real de 1994 e a queda da desigualdade com formalização desde 2004 (que continuam).


Além de consolidar essas conquistas coletivas, qual a nova busca para 2014? Para além da Copa do Mundo de futebol, o nosso derradeiro evento coletivo? Redução das assimetrias da qualidade de educação? Choque na criminalidade? Ou todas alternativas acima?

MARCELO NERI, 47, é economista-chefe do Centro de Políticas Sociais e professor da EPGE, na Fundação Getulio Vargas.