sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Zé Dirceu: Aliança eleitoral, aliança de governo

Ruiu em menos de 24 horas a tentativa de setores do PMDB de formar um “blocão” (PMDB-PP-PR-PTB-PSC) com o intuito de unir 202 deputados e reivindicar a maioria para indicar o presidente da Casa. A proposta do blocão —que não tinha o apoio de todos os deputados desses partidos— era grave e inaceitável.

Principalmente, porque o PMDB tem papel de aliado estratégico, desde a primeira hora, do próximo Governo Dilma Rousseff, que será partícipe das decisões e projetos de interesse nacional. Com o blocão, estariam sob risco a decisão soberana das urnas e o direito líquido e certo do PT de indicar o candidato a presidente da Câmara dos Deputados.

Como também sofreu resistências a proposta de rodízio na presidência da Câmara dos Deputados, logo rechaçada por senadores do próprio PMDB que vislumbraram um rodízio também no Senado. Senadores, aliás, que acolhem a tradição de respeito à proporcionalidade na postulação à presidência da Casa. Não há dúvidas de que esse é o cenário que se espera ver concretizado: o PT na presidência da Câmara, e o PMDB presidindo o Senado.

O incômodo é que esses movimentos políticos se somam ao comportamento de parte do PMDB na votação de medidas como o salário mínimo ou o aumento salarial do Judiciário, formando um quadro preocupante de pós-eleição. Ora, votar outro mínimo e o aumento para o Judiciário simplesmente inviabiliza o Orçamento da União para 2011, impedindo os investimentos que estão programados a partir, inclusive, de propostas de campanha assumidas com a concordância de toda a aliança eleitoral.

O objetivo maior com a movimentação dessa parcela do PMDB é tentar congelar os atuais cargos no governo no início da gestão Dilma e mostrar força política. Mas, dado o caráter presidencialista do nosso sistema, a sociedade não aceita que a presidenta eleita seja confrontada por imposições de partidos aliados, bem como não admite a formação de um Ministério que desconsidere as prioridades e compromissos apresentados durante a campanha e aprovados nas urnas.

Por isso, manobras com o objetivo de influenciar ou pressionar na formação do Ministério correm o risco de sair pela culatra. O que se espera dos aliados é que trabalhem para garantir a governabilidade. Assim, resta o aprendizado com o episódio do blocão é o de que é preciso retomar os entendimentos entre os aliados para assegurar a governabilidade à futura administração da presidenta Dilma Rousseff.

Essa readequação de comportamento passa por respeitar, como manda a Constituição e a voz das urnas, a autoridade da presidenta eleita na escolha dos nomes e na formação de seu Ministério. Ainda que sejam legítimas e necessárias as participações no próximo governo dos partidos que apoiaram sua aliança política nas eleições.
Afinal, os sinais dado pela presidenta Dilma mostram que a composição que começa a ser costurada, acima de tudo, respeitará a vontade soberana das urnas, a imposição do programa que a elegeu e as preocupações com os cenários de crise internacional. Nesse cenário, as alianças eleitorais têm tudo para ser as alianças de governo.

José Dirceu, 64, é advogado, ex-ministro da Casa Civil e membro do Diretório Nacional do PT

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Prof. L. Werneck Vianna faz análise da conjuntura atual em Observador Político



Findo o processo [eleitoral], vitoriosa a candidata Dilma, mesmo que ainda em estado de ressaca cívica, a cidadania começa a se dar conta de que o mundo de fantasia do horário eleitoral não condiz com o mundo efetivamente existente. Apesar disso, baixadas as cortinas, há muito que comemorar, em primeiro lugar, o fortalecimento das instituições republicanas e da democracia. Um hábito novo — constata-se à vista de todos — se difunde em todas as camadas sociais do país: o do respeito às leis e às regras do jogo, salvo alguns escorregões presidenciais, e o reconhecimento, que se generaliza, de que é por aí que se encontram os caminhos que levam a uma política de transformação social. Em segundo, a consagração da questão social como estratégica para a composição das forças políticas e de seus projetos de poder. A vitória nas urnas é inacessível sem ela, e isso foi bem compreendido pelos candidatos.

O mundo efetivamente existente é o da política e o das controvérsias sobre quais os rumos a serem seguidos. A marca do governo Lula foi a de trazer para o interior do Estado uma pluralidade de classes, de frações de classes, alinhadas ou não partidariamente, administrando os conflitos entre elas a partir dos recursos de poder presidenciais, assim interditando a sua manifestação no terreno da sociedade civil escorados em suas representações políticas e sociais. Decerto que essa tarefa exigia qualidades extraordinárias do seu operador, que não faltaram ao carismático Lula.

Dilma não é Lula nem o seu quatriênio de governo será o mesmo daquele que passou. Aliás, se os registros biográficos servem para algo, não se pode desconsiderar que Lula construiu sua identidade no meio sindical, nas circunstâncias da ditadura militar, avessa a manifestações de uma ética de convicção por parte de um líder operário, e adotou o pragmatismo como lema de vida. Dilma, por sua vez, provém da política, e de uma política, como atesta sua história na resistência armada, orientada pelo culto da vontade, que, de algum modo, preservou nos seus tempos de militante do PDT de Brizola, um político que também cultuava o primado da vontade em sua forma de agir. Se traços desse estilo pessoal persistem, eles não são favoráveis à difícil tarefa de manter contrários em equilíbrio.

Por outro lado, Dilma governará em condomínio com o PMDB, que terá na vice um dos seus melhores quadros, respaldado por políticos notabilizados, por mais que se fale mal deles, pelo tirocínio político e sabedoria na preservação do poder. O estilo Lula de administração se assentava no monopólio que ele desfrutava no exercício da política e na sua capacidade de interlocução direta com o povo. Dilma não contará com esse monopólio, inclusive porque o PT não lhe concederá tanto quanto concedeu a Lula em matéria de abdicação de poder, e alguns partidos da chamada base aliada se fortaleceram, como o PSB, dirigido pelo governador de Pernambuco, que herdou do seu avô, Miguel Arraes, as mesmas aspirações presidenciais. Tampouco, como notório, é vocacionada para a ida ao povo.

A sinalização da mudança de cenário também é indicada pelo novo mapa dos governadores eleitos, com a oposição à testa dos principais Estados da Federação, o que exigirá um andamento para a política mais consensual, inclusive porque a maioria governamental no Congresso é mais um resultado das estratégias eleitorais dos partidos que a compõem do que de uma união política em torno de um programa. Tal terreno não parece próprio para a emanação de virtudes carismáticas. Aliás, esse foi mais um recado trazido pela campanha eleitoral, quando a opção dos candidatos foi a de se mostrarem como os mais credenciados para impor uma administração racional à economia e às políticas públicas, ao invés de procurar rumos novos para a sociedade.
Com Dilma o que se tem é principado novo, e se ingressa, de fato, em uma ordem burguesa racionalizada, que o messianismo implícito de Lula, ao encarnar a representação do povo, sabia temperar. Sem ele e o seu estilo de negociador nato, os interesses e os conflitos de interesses devem fluir mais soltos, evadindo-se da jurisdição estatal e retomando seus lugares na sociedade civil. Para o bem e para o mal, a política promete voltar.


quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Os limites e desafios do Governo Dilma

O título acima é uma síntese do estimulante debate realizado hoje (17/11) no Seminário "Eleições 2010: resultados e perspectivas". O evento em questão, tema de nossa última postagem, foi uma rara oportunidade de exercício de interlocução qualificada para a sociedade civil, a opinião pública e os atores políticos locais. Infelizmente, seja por problemas na divulgação ou pela apatia dos cidadãos e seus representantes, o evento foi bastante esvaziado. Uma pena, pois a prova de vida inteligente na nossa realidade coletiva apresenta-se cada vez mais como uma quimera.
Vamos ao teor do debate:

Prof. Hugo Borsani abriu os trabalhos fundamentando sua argumentação nos dados eleitorais das eleições de 2010. A sua fala, aliás consonante com a análise do cientista político Jairo Nicolau (IUPERJ), pode ser resumida na enfática frase: "o sistema político-partidário brasileiro é o mais fragmentário do mundo!". O cerne da sua crítica diz respeito à relação problemática entre a fragmentação do poder (22 partidos na Câmara dos Deputados e 15 no Senado) e o exercício da governança (especialmente a necessidade de pactuar e negociar com uma grande diversidade de atores e interesses). Do ponto de vista do desempenho partidário, algumas constatações: PT e PMDB se consolidaram como os principais partidos a disputar a hegemonia da coalizão governista (com votação semelhante da eleição de 2006); PSB e PR se apresentam como siglas emergentes com desempenho eleitoral progressivo; PSDB e DEM (núcleo duro da oposição) tiveram redução de 45% de suas bancadas no Congresso. No caso do PSDB aparece ainda a grande discrepância entre o desempenho de Serra para presidente (44% dos votos válidos) e o declínio da representação parlamentar. Por último, cresce a expectativa pelo desempenho da futura Presidente na concertação da coalizão governista, em especial o grau de autonomia e a habilidade política de Dilma.

O Prof. Mauro Campos mudou radicalmente o foco do debate, a ênfase foi fixada nos limites e constrangimentos econômicos (principalmente o cenário atual de crise econômica internacional) para o desenvolvimento nacional e a capacidade do futuro Governo Dilma de sustentá-lo. A futura gestão, que inicia a legislatura com uma ampla maioria parlamentar, conseguirá fazer "as reformas" necessárias (política, fiscal, tributária, administrativa, previdenciária)? Talvez o principal problema seja justamente estabelecer um consenso fundamental sobre o teor e a prioridade das "reformas"!
Do ponto de vista econômico, as auspiciosas projeções do crescimento do PIB para 2011 (por volta de 7%) são confrontadas com os "fundamentos" da economia nacional, e por isso com as possibilidades de sua sustentação no tempo. A argumentação sobre os constrangimentos estruturais segue então o angustiante encadeamento de causas e efeitos: gigantesca dívida interna (que chega a R$ 1,7 trilhão); alta taxa de juros (selic 10,5%) como parte da estratégia de seu refinanciamento; comprometimento severo do orçamento com o pagamento desse juros (limitando a capacidade de endividamento e investimento do Estado). Numa conjuntura internacional de "desvalorização cambial competitiva", com a super emissão de dólares pelo tesouro dos EUA, sobe a pressão inflacionária externa e internamente. A retomada do desenvolvimento econômico, fundamentada na tríade força do mercado interno/ acesso ao crédito (capacidade de endividamento) /estabilidade inflacionária, vai demandar uma grande capacidade de negociação política do Governo Dilma, tanto no cenário externo como no interno.

O Prof. Hamilton Garcia deslocou o debate para a arena exclusivamente política professando um diagnóstico melancolicamente pessimista: depois de de 21 anos de elições presidenciais contínuas o saldo é um clamoroso "mal-estar" de uma democracia imatura prisioneira de um sistema político-partidário viciado (nominalista) e de uma cultura política degradada (privatista/instrumental). Esse estado de coisas parece convergir para a precariedade total (dissolução!?) do quadro institucional partidário. Mesmo o PT, classificado pelo Prof. Hamilton como o partido mais moderno da vida política nacional, deve sucumbir à degeneração. Tal diagnóstico coverge para uma causa principal: a ausência de responsabilização dos partidos políticos! Para tentar reverter essa tendência uma reforma política restritiva, com um verdadeiro empoderamento das máquinas partidárias, aparece como a única solução.

Por fim, a intervenção do Prof. Sérgio Azevedo restituiu o tom de "moderado otimismo" ao debate. Para começar ele passou a problematizar a dicotomia entre representatividade e governabilidade. Ou seja, ele questiona a relação necessariamente desproporcional entre a diversificação da representação (maior número de partidos) e a desestabilização do poder de governar. Além disso, para analisar de forma objetiva da realidade do política "não adianta prescrever o que ela deveria ser". Os atores reais não são irracionais por não se adequarem a agenda dos intelectuais. Todos eles, representantes individuais e instituições coletivas, partilham uma "dependência de trajetória" (com investimentos e eficácia produtiva) com relação às regras e procedimentos vigentes. Portanto, a maior dificuldade de uma reforma política não é de ordem conceitual e sim operacional: como mudar as regras do jogo sem criar incertezas e perdas? Segundo esse argumento, ao contrário de grandes reformas ou novos marcos regulatórios, mudanças incrementais e pontuais parecem ser as mais plausíveis e viáveis! De acordo com o Prof. Sérgio, por mais que tenhamos um crescimento e ampliação continuados da classe média, a presença do clientelismo e o peso das políticas distributivas devem durar bastante. Além disso, ele questionou o impacto relativo de uma cultura política "sofisticada" e chama atenção para a complexidade da equação entre acesso a informação, luta por interesses e decisão política (ver poliarquia!). Ele destacou a singularidade do fenômeno eleitoral Dilma, a histórica transferência de votos-prestígio de Lula e o desafio de uma engenharia política protagonizada por um ator dotado de "personalidade demais" como Dilma.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Seminário na UENF: "Eleições 2010: resultados e perspectivas"

A Coordenação de Extensão do CCH convida p/ a 1ª etapa do Seminário "Eleições 2010: resultados e perspectivas".

Organizado pela COOEX-CCH e pela COOGRAD-CISO*, c/ o apoio da ASCOM/UENF.
Moderação: Profª. Wania Mesquita.
Palestrantes:
Prof. Sérgio Azevedo
Prof. Hugo Borsani
Prof. Hamilton Garcia
Prof. Mauro Campos
Local: Multimídia do CCH/UENF (térreo), Av. Alberto Lamego, 2000, Pq. Califórnia, prédio do CCH.
Data: 17/11/2010 (4ªf).
Horário: 17h.
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Hamilton Garcia (Sociólogo e Cientista Político)

"O ato de votar constitui parte de um processo político muito mais amplo, caracterizado (…) por uma acentuada desigualdade de influência. A concentração no simples ato de votar, no qual a igualdade formal (…) prevalece, serve para obscurecer aquela desigualdade, e desempenha uma função vitalmente importante de legitimação". (Ralph Miliband, cientista político, 1969)