terça-feira, 8 de junho de 2010

Sucessão eleitoral sem política?



Em seu mais recente Temas de conjuntura (http://www.acessa.com/gramsci/?page=visualizar&id=1246), o cientista político Luiz Werneck Vianna reafirma o ponto de vista crítico sobre a política brasileira e retoma a discussão do "Estado Novo do PT". Seu principal questionamento, em tom de lamento melancólico, é sobre a ausência de um debate público e ativismo/antagonismo político-programático mais intenso e consistente. Apesar de não partilhar de suas conclusões, considero relevante o seu chamamento ao debate sobre o futuro do país tão negligenciado por nossa esfera pública. A seguir, leia algumas passagens:

"A calmaria em que transcorre a sucessão presidencial, desconhecendo, ao menos até aqui, duros antagonismos entre os três principais candidatos envolvidos, assemelhados em tantos aspectos cruciais, pode sugerir que estamos a assistir a uma disputa entre alas de um mesmo partido.

Como que postos de acordo quanto ao principal, os candidatos divergem em questões tópicas, a exemplo, entre outras, do quantum de autonomia de que deveria gozar o Banco Central, de como encaminhar uma reforma tributária — exigiria ela uma emenda constitucional? —, todos alinhados a uma perspectiva pós-Lula, que não deixa de ser, querendo ou não, também pós-FHC, com os temas da estabilidade financeira e da responsabilidade fiscal.

Enfim, a se tomar pelas aparências, já teríamos atingido um ponto ótimo na história da evolução do país, restando agora cuidar — porque podemos mais — do seu aperfeiçoamento. E, assim, essa hora da sucessão, longe de impor um debate sobre os caminhos já percorridos e sobre a marcação dos objetivos estratégicos a serem atingidos, se apequena na rotina e na reiteração de práticas, algumas delas tidas como tão consagradas que ninguém se atreve a discuti-las. Tudo se passa como se não estivéssemos no fim de um governo, mas no seu recomeço. Para que, então, uma sucessão?
(...)
Nessa construção, não sobra espaço para a política, quase um monopólio de fato do Estado e dos seus agentes. Estiolam-se os partidos, boa parte deles destituídos de representação significativa, dependentes de favores do governo, sem vida própria, apropriados por uma “classe política”, em sua maioria, animada pelo projeto único de garantir a sua reprodução. Ausente a energia que provém da luta política, vive-se na modorra do pensamento único, qualquer manifestação de dissonância com os rumos atuais, a que restaria apenas aperfeiçoar, soando como um crime de lesa-majestade. Não há sucessão livre sem que haja livre discussão sobre que sociedade queremos para viver, sobre uma avaliação da nossa história e com a determinação das escolhas com que pretendemos dar continuidade a ela.

Mas, se a política, enquanto atividade consciente dos homens para tentar criar o seu destino, está em baixa e sob o controle de alguns poucos, temos um potente mundo dos interesses, grandes e pequenos, uns bem mais atendidos que outros, prontos ao conflito, se muito contrariados. Certamente, no que se avizinha, interesses serão afetados, não necessariamente os grandes, e nem sempre passíveis de compensação por vias administrativas. Se até aqui o decantado carisma de Lula e a sua proverbial boa sorte permitiram que as fortes contradições entre eles não ganhassem as ruas, sempre resolvidas por acordos nos gabinetes ministeriais sob a arbitragem presidencial, resta pouca esperança de que, com esses pretendentes à sucessão, o mesmo remédio seja eficaz. Seguramente, falta-lhes o carisma e é provável que também lhes falte o mesmo banho de lua. A política de que estamos tão distantes, oculta nas razões da gramática tecnocrática, promete nos cobrar com juros a sua próxima aparição."

2 comentários:

Roberto Torres disse...

Com todo respeito à figura pública do Werneck, mas essa oposicao Estado/sociedade é um ópio, uma diferenca falsa que compromete por inteiro o rendimento de qualquer inteligencia. Tudo bem que devemos entender que ele está preso aos debates do passado, sobretudo ao conceito de patrimonialismo. Mas nao se pode abrir mao de criticar: sua perspectiva é essencialista e empiricamente falsa: a "sociedade civil" (conceito problemático e bem vago) é vista como a fonte da virtude e o Estado como a fonte do vício.

Gustavo Carvalho disse...

Caro Roberto, concordo com sua avaliação de que o Werneck é prisioneiro de uma problemática conceitual e agenda política limitada e autoreferente. Contudo, o ponto chave da pertinência do argumento do Werneck permanece em voga: a ausência de debate qualificado sobre as metas estratégicas do projeto de nação! Como nós somos um núcleo do PT, é de fundamental importância pensar a política para além da luta hegemonista pelo poder. Considero que o debate político pós-mensalão nos lançou numa "cruzada" (imperativa na quela conjuntura!) em defesa do Governo Lula, sua legitimidade e virtudes. Não restando espaço/oportunidade para a formação de massa crítica de esquerda sobre seus limites e alternativas de aprimoramento. Temos a convicção de que nossa tarefa primordial é incitar essa debate! Abç