domingo, 30 de maio de 2010

Positivismo inflexível



A "ciência econômica" sofre de estranho retardo epistemológico. Padece da "doença infantil" do positivismo e não tem a menor consciência disso! Esse corpo doutrinário naturalista professa a crença na infalibilidade do poder preditivo de suas conjecturas ou, como diria Popper, suas "antecipações injustificadas".

O jornal O Globo de hoje traz os vaticínios alarmistas do guru das finanças internacionais Nouriel Roubini (com fama de ter prevismo a crise financeira mundial de 2008!). A seguir pinçamos as passagens mais significativas e sintomáticas de sua entrevista denominada A 'Europa protege o emprego; devia proteger o trabalhador':

O Globo: O senhor defende um programa de "flexicurity" (palavra em inglês que é um misto de flexibilidade e segurança) para os trabalhadores. Mas a Europa tem cortado gastos sociais.

Roubini: O sistema tradicional de bem-estar social na Europa continental fracassou, assim como o laissez-faire anglo-saxão. O modelo europeu optou por proteger os empregos. Se uma empresa está em dificuldades, modelo tenta fazer com que ela mantenha os empregos. Mas se uma indústria decadente mantém os empregos, isso cria distorções, e os custos de proteção social ficam elevados. O correto é proteger o trabalhador. Se ele prede seu emprego, então deve haver seguro-desemprego, investimento em qualificação profissional, benefícios que caminhem com o trabalhador até seu novo emprego. A globalização exige que o trabalhador mude de emprego várias vezes. Para haver mais flexibilidade no mercado de trabalho, tem que haver uma rede de proteção social, mas não que proteja um emprego específico.
(...)
O Globo: Quais são sua perspectivas para o Brasil?

Roubini: O país está em boa forma, e o crescimento tem sido robusto. Devemos dar crédito ao Lula por suas políticas fiscal e monetária, mas o presidente não está fazendo as reformas necessárias para aumentar o crescimento potencial da economia. O novo preseidente, ele ou ela, terá que fazer essas reformas."

Comentário: A ânsia por socializar os "custos de proteção social" ao mesmo tempo que naturaliza a precarização do trabalho, trai o previsível teor desse programa racional de "reformas". Nunca foi tão claro o antagonismo social fundamental, e ainda dizem que a luta de classes acabou.


3 comentários:

douglas da mata disse...

Caro Gustavo,

Se me permite, eu não seria tão rigoroso com o Dr. Doom.

O custo de proteção do emprego, do ponto de vista do Estado como indutor de políticas públicas nesse sentido, me parece que onera toda a sociedade, em benefício de corporações, como é o caso europeu.

O caso clássico é a previdência. Corporações mais fortes e organizadas tendem a conseguir benefícios mais vantajosos, porém onerosos para com o resto, que têm que suportar o ônus de uma parte menor do bolo, ou sofrer com cargas tributárias que compensem esses gastos públicos assimétricos.

A proteção, caso haja um dilema: emprego x trabalhador, deve pender sim ao primeiro, até porque a proteção ao emprego implica em cevar atividades econômicas deficitárias.

O Nouriel, como todo economista, surfará a onde do relógio quebrado, ou seja, "marcou a hora certa" porque, afinal, estava parado.

A economia é uma ciência que produz postulados que dependem da "produção" de uma realidade que os caibam.

Mas os diagnósticos do Dr Doom para a questão do déficit previdenciário e de contas correntes provocados pelos gastos públicos com as medidas anticíclicas(no caso dos EEUU e Europa)merecem atenção.

É lógico que suas "previsões" servem a toda sorte de especulação e manipulação da "banca" para sangra mais a viúva.

Mas essa conta não pode ser debitada no diagnóstico/prognóstico de Roubini.

Um abraço.

Gustavo Carvalho disse...

E aí seu Douglas? Tudo trancs? Com relação ao post, a coisa que mais me intriga do ponto de vista filosófico sobre a ciência e seu poder preditivo (logo, eficácia) é o consenso pseudo-científico de parâmetros de racionalidade natural-deterministas para compreensão do comportamento humano. Quanto mais levando-se em conta a crise financeira mundial e sua dessacrilização do pensamento único econômico (vulgo neoliberalismo)? Perguntinha antropológica básica: se o mercado (e seus ciosos players) exigem estabilidade sócio-política-jurídica, previsibilidade das regras e estabilidade da governança democrática para seus cálculos e contratos; por que as famílias deveriam abrir mão de similar parâmetro de racionalidade em prol do mercado? Por que precarizar as condições de trabalho, flexibilizar regras/direitos trabalhistas, ampliar a incertezas e impor a "corrosão do caráter" coletiva a milhares de pais e mães seriam opções coletivas mais racionalmente consistentes? Em suma: por que os custos da proteção social devem ser financiados pelo conjunto dos cidadãos/consumidores e não pelos proprietários dos meios de produção e concentradores da riqueza???

douglas da mata disse...

Esse é o cerne, e concordo. Mas veja que sua crítica se dirige ao diagnóstico/prognóstico de um dos oráculos do deus-mercado.

O que disse é que a lógica dele guarda coerência com suas "crenças".

Mas é claro que a banca nunca perde, e nossa política econômica, ao menos na primeira metade do mandato(considerado em oito anos)anuiu comportadamente com essas premissas, e não sabemos ainda ao certo(ao menos eu não sei)se essa devoção monetário-mercantilista não pacificou as bases ideológicas, que se escondem por detrás das premissas macroeconômicas(que estão além do nosso alcance em pautar), garantiu uma sólida estrutura que desse possibilidade para a alvancagem de nosso modelo neocapitalista distributivo.

Veja que eu tratei do falso dilema que você tão bem denunciou: é falsa a idéia que não se pode proteger o emprego e o trabalhador.

Mas se fosse verdadeiro, eu ficaria com a proteção do trabalhador, porque ela é direta. A proteção do emprego passa pela proteção da atividade que o remunera, e aí, temos os nichos de ineficiência competitiva.

Há uma tendência mundial, ainda não revertida, de que para enfrentar crises cíclicas e surtos inflacionários pós-crise(pelo aumento de demanda fomentada pelas medidas anti-cíclica e o aumento de gasto público inerente: o que denuncia DR Doom)deve-se conter um dos "preços" fundamentais: o custo do emprego.

Delfim Netto discorda, junto com Paulo Nogueira, Beluzzo e outros "desenvolvimentistas".Eu me filio a eles.

A lógica, com a qual não concordo, é que certa flexibilização aumentaria o nível de emprego formal, e se ganharia em escala com a entrada desse pessoal na conta da previdência como contribuinte, que alivia a carga sobre o Tesouro no longo prazo, causado pelos estragos da debaclé.

Mas esse é um debate comprido, e terei o prazer de continuá-lo em breve.

No mais, tudo tranqüilo.

Um abraço

Um abraço.