O importante e controvertido historiador José Murilo de Carvalho, em Desenvolvimento da Cidadania no Brasil, contrói o quadro preciso do radical descompasso entre o processo formal de independência nacional e as necessidades reais dos sub-cidadãos brasileiros. Orgulho patriótico e ufanista à parte, podemos ter certeza que: somente através de pesquisas historiográficas críticas é que podemos dimensionar o peso do "legado" excludente da tradição social-política brasileira e contribuir com sua superação. Vamos aos argumentos:
"Ao proclamar sua independência de Portugal em 1822, o Brasil herdou uma tradição cívica pouco alentadora. Ao fim de três séculos de colonização (1500-1822), os protugueses deixaram, de positivo, uma enorme colônia dotada de unidade territorial, linguística, cultural e religiosa. De negativo, legaram uma população analfabeta, uma sociedade escravista, uma economia monocultora e latifundiária, um Estado policial e fiscalizador. Ao final da colônia não havia nem cidadãos brasileiros nem pátria brasileira.
(...)
Como era de se esperar, a independência não trouxe a conquista imediata dos direitos da cidadania. A herança colonial era por demais negativa, o processo da independência, demasiado suave, não permitia uma mudança radical. A conquista efetiva desses direitos constitui um processo extremamente lento que ainda hoje em dia, 170 anos depois do fim do regime colonial, continua inconcluso. As leis dos país, sempre inspiradas em modelos ocidentais, europeus ou norte-americanos, desde o princípio incorporaram os direitos civis e políticos. Porém a realidade permaneceu muito longe do que expressavam os textos, com a qual se criou uma contradição entre o país legal e o país real.
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Uma parte da elite brasileira esperou até o último momento uma solução que não implicasse a separação completa de Portugal. O que uniu os brasileiros entorno da ideia de saparação foram as intenções das cortes portuguesas de reconstruir o status quo colonial. Ainda assim, a separação se consumou conservando a monarquia e a casa de Bragança. Graças à mediação da Inglaterra, Portugal aceitou a independência do Brasil mediante o pagamento de uma indenização de dois milhões de libras esterlinas.
Haver optado por uma solução monárquica se deveu ao fato que que a elite estava persuadida de que só um rei podería manter unidas as províncias integrantes da antiga colônia. (...) A elite queria evitar a todo custo a fragmentação da colônia em vários países pequenos, pois sonhava com a formação de um grade império. (...) A elite e os senhores de terras temiam sobretudo que ocorresse algo parecido ao que depois aconteceu no Haiti, onde os escravos se rebelaram , proclamaram a independência e expulsaram os brancos.
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Implantou-se um governo ao estilo das monarquias constitucionais européias. Elaborou-se uma constituição também em conformidade com os princípios do liberalismo vigente. Foram regulamentadas as eleições, e integrado um parlamento com duas câmaras; o Poder Judiciário e o Executivo tiveram suas atribuições garantidas por lei. A Constituição, apesar de seu profundo liberalismo, não levou em conta a escravidão, que foi colocada de lado como se não existisse.
Apesar dos progresso relativo aos direitos políticos, a independência, conquistada sem abolir a escravidão, encerrava grandes limitações aos direitos civis."
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