A conjuntura de formação de um novo governo sempre oportuniza o livre jogo das forças políticas da sociedade brasileira. Os velhos representantes do patrimonialismo nacional e principais beneficiários dos múltiplos esquemas clientelistas do nosso tradicional atraso querem sempre mais do mesmo: a captura do poder soberano do sufrágio universal.
Pois bem, é nesse momento da arquitetura de uma nova gestão, com a indicação dos quadros dirigentes e a nomeação dos cargos federais em todos os escalões, é que podemos perceber como a noção de hegemonia política é útil: o que está em jogo nesse momento é qual deverá ser correlação de forças, para além da questão da governabilidade, a delinear a direção político-ideológica da nossa sociedade.
Tudo isso deixa de ser uma mera discussão teórica quando pensamos na formulação e implementação das políticas públicas que devem dar sentido às instituições e viabilizar a ampliação real dos bens de cidadania no nosso País. Portanto, na ocupação dos "espaços" na máquina governamental o que está em jogo é justamente a viabilidade e continuidade das políticas públicas.
Com relação à dinâmica de "empoderamento" dos partidos, uma característica permanente e paradoxal do nosso sistema é que o maior partido nacional, o PMDB, é que ele não disputa a hegemonia política mas só busca a reprodução de suas bases eleitorais clientelísco-fisiológicas. A sua sanha pela ocupação de cargos não tem nenhuma relação com o acúmulo de capital político, mas somente o livre acesso aos orçamentos e alocações de recursos públicos. Como todos sabem, o PMDB, como partido de centro e conglomerado de poderes regionais/locais, não tem projeto político nacional e sempre opera de modo parasitário ao poder central. O problema é que, sendo o principal parceiro do PT na aliança de campanha e da base de governo, deve dividir as responsabilidades de governar. A principal delas: zelar pela eficiência e qualidade das políticas públicas!
Portanto a questão é bem maior do que a mera ocupação de cargos e muito mais complexa do que a lógica maniqueísta e simplória que opõe nomeções políticas X nomeções técnicas. Para além do dirigismo tecnocrático, devemos pensar a eficiência técnica à serviço dos interesses dos cidadãos. E isso é uma escolha política de gestão pública.
Pois é justamente nessa conjuntura que a instigante, e já clássica, obra A Gramática Política do Brasil ganha relevância e utilidade. A obra do Prof. Edson Nunes discute a imbricada dinâmica das "gramáticas" institucionais no Brasil. De modo sintético, os designos históricos das relações entre Estado e Sociedade na terra brasilis passariam pelas gramáticas institucionais predominantes: o universalismo de procedimentos, o corporativismo, o clientelismo e o insulamento burocrático.
Numa tradição elitista e autoritária, o clientelismo aparece como a gramática mais antiga e perniciosa das relações Estado e Sociedade no Brasil. Como todos sabemos, o clientelismo atua em sentido contrário tanto à racionalidade e isonomia dos atores sociais como à universalidade dos direitos, cerne da noção de República e do ideal democrático. Ele designa a relação de dependência do povo difuso e carente e de domínio dos grupos políticos e econômiocos que têm acesso aos recursos materiais e simbólicos escassos.
O corporativismo é uma das "obras" mais importantes da Era Vargas e consiste a concessão seletiva de direitos, dirigismo estatal e na "cidadania regulada" (Wanderley G. dos Santos). O contexto de Vargas corresponde ao acelerado processo de urbanização e criação das condições do Capitalismo tardio no Brasil. Essas transformações sócioeconômicas exigiam novos modelos institucionais.
Não por acaso, nesse mesmo período temos o fortalecimento do poder central do Estado nacional e de suas agências. Nesse sentido viabilizando a ampliação processual do universalismo de procedimetos do Estado brasileiro, o que não impediu a sua complementariedade e interdependência com a tradição patrimonialista e clientelista.
Ainda nesse contexto, parece ter ficado claro para os dirigentes nacionais que a viabilidade de algumas políticas públicas dependia de algum grau de insulamento burocrático. Ou seja o isolamento e a proteção dos agentes estatais de carreira (e dos recursos) da lógica sócio-estatal predominente do clientelismo (a criação do MEC sendo um dos exemplos bem-sucedidos dessa diretriz!).
Portanto, tomando como referência essa discussão sociológica e historiográfica, podemos ler o atual debate (e o ruído irracional em volta dela) sobre o planejamento estatal e a nomeação de cargos com um olhar mais crítico e consistente. Pois a opção política pela lógica institucional do insulamento burocrático deve predominar na construção dos quadros do governo Dilma (do ponto de vista político-eleitoral a própria candidatura Dilma é um exemplo disso!) para o bem da continuidade das políticas públicas eficientes e socialmente inclusivas iniciadas pela Era Lula.
2 comentários:
Mas convenhamos gustavo,
Mercadante na ciência e tecnologia nao é insulamento burocrático?
um abraco
Pois é Roberto, poderíamos argumentar que o fundamental é a preservação majoritátia desse princípio no núcleo duro da governança (política econômica, política de educação, etc.). Contudo, o exemplo do Mercadante não é o mais discrepante com essa diretriz (vide suas nomeações altamente qualificadas e não partidárias para as diferentes áreas fim do Ministério!). O caso mais grave pode ser reconhecido no Ministério da Saúde, pois mesmo o Padilha sendo Médico sanitarista com militânia na área, como diz o Élio Gaspari, ele tem "doutorado em comissariado petista" e demonstrou habilidade na negociação com o Congresso. Mas mesmo nesse caso a suas atribuições imediatas são tarefas políticas: articular a aprovação de uma outra fonte de financiamento para o SUS (CPMF com outro nome) e discutir a flexibilização da gestão de pessoas na saúde (regime de trabalho dos médicos e profissionais da saúde). O importante é levantar o debate à vera sobre o assunto... Abç
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