O sentido dos votos
De Marcos Coimbra, sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
Existem eleitores de vários tipos. Eles diferem em suas características socioeconômicas e convicções. Moram em bairros centrais e de periferia, em cidades grandes e pequenas, muitos em áreas rurais. Em um país do tamanho do nosso, variam de acordo com a região e o estado.
À medida que nos consolidamos como democracia e que as eleições se rotinizam, novas diferenciações, às vezes mais relevantes que as anteriores, se desenvolvem. As pessoas adquirem e solidificam identidades políticas e partidárias e passam a ter “lado”. Isso determina seu comportamento na política, suas opiniões e escolhas.
Hoje, cerca de 40% do eleitorado brasileiro se identifica com algum partido. Parece pouco e muitos interpretam esse número como evidência da fragilidade de nossa estrutura partidária. Na verdade, ele se compara ao de países onde os partidos têm vida menos atribulada que aqui. É a obrigatoriedade do voto que faz com que nosso eleitorado tenha menos simpatizantes, proporcionalmente, que, por exemplo, os Estados Unidos.
Identificar-se com um partido envolve atitudes e comportamentos. Quer dizer sentir-se parte de um conjunto, compartilhar avaliações e ideias, reconhecer-se como eleitor de um e não-eleitor de outros. E também agir em consequencia disso, votar nos candidatos de seu partido, manifestar-se e argumentar em favor deles, até brigar.
O PT é, de longe, o maior. Com mais de 20% de simpatizantes, a soma dos outros não chega a seu tamanho. Mas paga um preço por isso, sendo o que maior rejeição tem, mesmo entre eleitores que não se identificam com nenhum. São os que se definem pela negação, como anti-petistas. Se os agregarmos aos anteriores, chegamos perto de 50% do eleitorado.
E a outra metade? Da maioria, poder-se-ia dizer que possui uma forma menos estruturada e mobilizadora de identidade, centrada na pessoa de Lula. São os “lulistas”, pessoas que votaram nele uma ou mais vezes, admiram seu modo de ser e o governo, mas não vão além. Dos restantes, nem isso. Falta-lhes qualquer tipo de identificação política.
Nas eleições que acabamos de fazer, petistas e simpatizantes dos partidos da coligação pró-Dilma, assim como os identificados com os partidos da oposição e os anti-petistas, não tiveram dificuldade para se posicionar. O mesmo deve ter acontecido com os lulistas mais entusiasmados, que se sentiam gratos a Lula e se dispunham a referendar qualquer indicação que fizesse.
Em escala menor, algo parecido pode ter havido no outro lado, um voto puramente “serrista”, daqueles que gostavam do tucano. O mesmo valeria para Marina, no começo, quando, à identificação “verde”, se acrescentou um elemento de admiração por ela.
Os eleitores sem identificação política estruturada são os que mais ficaram sem saber o que fazer na eleição e que mais demoraram a tomar posição. Não tendo uma identidade partidária ou quase-partidária (sem, portanto, ter “lado”), só lhes restava procurar algum critério satisfatório para escolher entre pessoas. Dilma, Serra ou Marina eram apenas três indivíduos (personalidades, biografias) para comparar.
O que vimos no final do primeiro turno resultou, fundamentalmente, das movimentações desses eleitores. Assustados com as denúncias contra Dilma, muitos foram para Marina e, no segundo turno, para Serra. Só assim ele passou dos 30% que as pesquisas antecipavam e que as urnas confirmaram.
É um erro considerar que os 41% que Serra obteve (no voto total) representam um julgamento de Lula. Que significam que é essa a proporção dos que reprovam o governo.
Neles, há diversos componentes. O voto anti-petista e anti-lulista é importante, mas não deve representar a metade. Outro é o voto de quem apenas o viu como candidato “mais preparado” que Dilma, em uma cultura como a nossa, que valoriza o personalismo. Outro foi dado por quem se decepcionou, em algum momento da eleição, com a presidente eleita.
As oposições erraram quando subestimaram a força de Lula, achando que não conseguiria fazer sua sucessora. Podem se equivocar outra vez, se pensarem os próximos anos a partir de uma superestimação de seus resultados no domingo.
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