segunda-feira, 20 de setembro de 2010

L. Werneck Vianna: O Lulismo sem Lula



"O cerne desse sistema de orientação está no seu caráter pluriclassista e pluripartidário, reafirmado sem equívocos na campanha da candidata situacionista, em seu objetivo de consolidar e aprofundar a experiência do capitalismo brasileiro, tendo em vista inclusive a ultrapassagem dos seus limites nacionais, para o que conta com o Estado e suas agências produtivas e financeiras como instrumentos estratégicos. Dele igualmente fazem parte políticas destinadas à inclusão social de setores marginalizados, na forma dos programas de assistência social em curso.
O lulismo é isso e mais as habilidades de comunicação do seu inventor, especialmente na sua relação compadecida com as massas mais pobres da população. Reinterpreta, pois, a história do país, ao se por em linha de continuidade com ciclos afirmativos da modernização brasileira, como os de Vargas, o do JK e o do regime militar, contrapondo-se à versão do PT, que, desde as suas mais remotas origens, foi refratária a políticas centradas na questão nacional e em estratégias de modernização "pelo alto".
Não há motivo para espanto com o diagnóstico de que, em um eventual governo Dilma, se assim o quiserem as urnas, poderão ocorrer fortes tensões entre o lulismo e o PT - certamente com sua nova representação congressual bem mais encorpada -, que não conhecerão mais a arbitragem de Lula detendo os poderes de chefe de Estado. No caso, é de se esperar que as intervenções escoradas no carisma cedam lugar à política, inclusive porque Dilma, intocada por esse sortilégio, deverá governar com a aliança que suporta sua candidatura - é falso dizer, não se perde por esperar, que seus aliados não tenham ideias, apenas interesses -, e o PMDB, como já se sabe, se não compuser a maior bancada nas duas casas congressuais, ficará bem perto disso.

Por onde se devassa o horizonte, os sinais são os da volta da política. Os caminhos de hoje, filhos da contingência, saberão encontrar justificação no terreno aberto da batalha das ideias? Haverá intelectuais entre nós capazes de defender persuasivamente, para além dos sussurros de hoje, uma via de "nacionalismo revolucionário" em aliança com a burguesia, y compris o agronegócio? A esquerda está pronta a se reencontrar com os caminhos da democracia como valor universal, que já encontrou abrigo até em setores do próprio PT? De qualquer forma, o tempo é novo e próprio à navegação, mesmo que se saiba, de ciência certa, que a rota que tiver curso vai se defrontar com o carisma de Lula rondando por aí."

Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador do Iesp-Uerj. Ex-presidente da Anpocs, integra seu comitê institucional.

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