Quase terminando um artigo sobre o controle social dos governos locais, eis que Campos sofre nova intervenção judicial em seu processo eleitoral depois da posse dos eleitos e transcorrido mais de um ano do mandato, tal como na eleição de 2004, sem que isso signifique efetivamente uma luz no fim do assombroso túnel da instabilidade política municipal, muito ao contrário.
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Tanto no caso do uso indevido da máquina e recursos públicos para a promoção de seu grupo, caso das eleições de 2004, quanto no uso indireto dos mesmos, visando, segundo o TRE/RJ, à promoção de “práticas panfletárias da rádio e do jornal O Diário”, no caso das eleições de 2008, estamos diante do mesmo problema que resta intocado: a privatização do público pela classe política, entendida como o conjunto dos grupos que, uma vez eleitos, independente de sigla e ideologia, utilizam recursos além dos esforços partidários e da legislação pertinente para se perpetuarem no poder.
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Tais experiências mostram com nitidez que intervenções judiciais com foco exclusivamente eleitoral, contra lideranças políticas acostumadas ao amplo conforto no trato da coisa pública, em meio a uma sociedade resignada, não produzem os resultados saneadores esperados. Muito pelo contrário, acabam por promover, inadvertidamente, quadros despreparados para o exercício de responsabilidades vitais à sociedade. As punições eleitorais promovidas pelos TREs, nas condições das acima citadas, se tornam não só inócuas, quando não acompanhadas de punições administrativas e criminais contra os dilapidadores do bem público, como ainda perversas pelos efeitos colaterais sobre a administração pública. Em ambos os casos relatados, a tardia e perfunctória punição eleitoral desconsidera que o uso de recursos públicos para fins privados, no período eleitoral, está longe de se caracterizar apenas como crime eleitoral. Afinal eles provêm, direta ou indiretamente, do erário público municipal, sendo mister perseguir a causa administrativa dessa distorção.
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Desse modo, nosso sistema político parece ter sido cuidadosamente talhado para a autonomização absoluta dos eleitos em face dos eleitores, no interregno que vai de uma eleição a outra, sendo a oferta de serviços de clientela com recursos públicos uma forma de pagamento por essa autonomia e não uma efetiva contrapartida ao poder de decisão do eleitorado. Não obstante o poder esteja nas mão do eleitor, é patente que ele não se percebe como detentor efetivo desse poder nem enxerga nos partidos políticos (indisciplinados) instrumentos aptos para tal exercício.
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O controle social da política local, destarte, necessita avidamente de uma pauta nacional que substitua a anemia dos partidos, como se viu no protagonismo de rede da Lei da Ficha Limpa, que, independentemente de seu resultado final, mostrou essa necessidade de ligar o local ao nacional como modo de promover efetivamente a cidadania política.
A ideia da democracia participativa, em países com as características políticas do nosso, assume um caráter diverso daquele verificado em países institucionalmente maduros. Não se trata apenas de romper os limites aristocráticos das instituições liberais através de uma ação direta da cidadania, mas de instituir uma forma específica de controle do corpo político que o impeça de manipular o voto popular por meio da corrupção de Estado semi-institucionalizada.
Sem uma reforma política ampla, geral e irrestrita, os ensaios de controle social do poder local que surgem no país correm o risco de perderem o impulso em meio à poderosa barreira institucional legitimada pelo voto popular, que garante às neo-oligarquias o controle sobre o Estado, em seus diversos níveis, a despeito das ações localizadas, tênues e restritas da Justiça brasileira e de outros atores sociais e institucionais de boa índole.
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Hamilton Garcia de Lima é cientista político e professor do LESCE-CCH/UENF-DR (Laboratório de Estudo da Sociedade-Civil e do Estado – Centro de Ciências do Homem/Universidade Estadual do Norte-Fluminense – Darcy Ribeiro).
A ideia da democracia participativa, em países com as características políticas do nosso, assume um caráter diverso daquele verificado em países institucionalmente maduros. Não se trata apenas de romper os limites aristocráticos das instituições liberais através de uma ação direta da cidadania, mas de instituir uma forma específica de controle do corpo político que o impeça de manipular o voto popular por meio da corrupção de Estado semi-institucionalizada.
Sem uma reforma política ampla, geral e irrestrita, os ensaios de controle social do poder local que surgem no país correm o risco de perderem o impulso em meio à poderosa barreira institucional legitimada pelo voto popular, que garante às neo-oligarquias o controle sobre o Estado, em seus diversos níveis, a despeito das ações localizadas, tênues e restritas da Justiça brasileira e de outros atores sociais e institucionais de boa índole.
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Hamilton Garcia de Lima é cientista político e professor do LESCE-CCH/UENF-DR (Laboratório de Estudo da Sociedade-Civil e do Estado – Centro de Ciências do Homem/Universidade Estadual do Norte-Fluminense – Darcy Ribeiro).
Para ler na íntegra: http://www.acessa.com/gramsci/?page=visualizar&id=1262
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