O título acima é uma síntese do estimulante debate realizado hoje (17/11) no Seminário "Eleições 2010: resultados e perspectivas". O evento em questão, tema de nossa última postagem, foi uma rara oportunidade de exercício de interlocução qualificada para a sociedade civil, a opinião pública e os atores políticos locais. Infelizmente, seja por problemas na divulgação ou pela apatia dos cidadãos e seus representantes, o evento foi bastante esvaziado. Uma pena, pois a prova de vida inteligente na nossa realidade coletiva apresenta-se cada vez mais como uma quimera.
Vamos ao teor do debate:
Prof. Hugo Borsani abriu os trabalhos fundamentando sua argumentação nos dados eleitorais das eleições de 2010. A sua fala, aliás consonante com a análise do cientista político Jairo Nicolau (IUPERJ), pode ser resumida na enfática frase: "o sistema político-partidário brasileiro é o mais fragmentário do mundo!". O cerne da sua crítica diz respeito à relação problemática entre a fragmentação do poder (22 partidos na Câmara dos Deputados e 15 no Senado) e o exercício da governança (especialmente a necessidade de pactuar e negociar com uma grande diversidade de atores e interesses). Do ponto de vista do desempenho partidário, algumas constatações: PT e PMDB se consolidaram como os principais partidos a disputar a hegemonia da coalizão governista (com votação semelhante da eleição de 2006); PSB e PR se apresentam como siglas emergentes com desempenho eleitoral progressivo; PSDB e DEM (núcleo duro da oposição) tiveram redução de 45% de suas bancadas no Congresso. No caso do PSDB aparece ainda a grande discrepância entre o desempenho de Serra para presidente (44% dos votos válidos) e o declínio da representação parlamentar. Por último, cresce a expectativa pelo desempenho da futura Presidente na concertação da coalizão governista, em especial o grau de autonomia e a habilidade política de Dilma.
O Prof. Mauro Campos mudou radicalmente o foco do debate, a ênfase foi fixada nos limites e constrangimentos econômicos (principalmente o cenário atual de crise econômica internacional) para o desenvolvimento nacional e a capacidade do futuro Governo Dilma de sustentá-lo. A futura gestão, que inicia a legislatura com uma ampla maioria parlamentar, conseguirá fazer "as reformas" necessárias (política, fiscal, tributária, administrativa, previdenciária)? Talvez o principal problema seja justamente estabelecer um consenso fundamental sobre o teor e a prioridade das "reformas"!
Do ponto de vista econômico, as auspiciosas projeções do crescimento do PIB para 2011 (por volta de 7%) são confrontadas com os "fundamentos" da economia nacional, e por isso com as possibilidades de sua sustentação no tempo. A argumentação sobre os constrangimentos estruturais segue então o angustiante encadeamento de causas e efeitos: gigantesca dívida interna (que chega a R$ 1,7 trilhão); alta taxa de juros (selic 10,5%) como parte da estratégia de seu refinanciamento; comprometimento severo do orçamento com o pagamento desse juros (limitando a capacidade de endividamento e investimento do Estado). Numa conjuntura internacional de "desvalorização cambial competitiva", com a super emissão de dólares pelo tesouro dos EUA, sobe a pressão inflacionária externa e internamente. A retomada do desenvolvimento econômico, fundamentada na tríade força do mercado interno/ acesso ao crédito (capacidade de endividamento) /estabilidade inflacionária, vai demandar uma grande capacidade de negociação política do Governo Dilma, tanto no cenário externo como no interno.
O Prof. Hamilton Garcia deslocou o debate para a arena exclusivamente política professando um diagnóstico melancolicamente pessimista: depois de de 21 anos de elições presidenciais contínuas o saldo é um clamoroso "mal-estar" de uma democracia imatura prisioneira de um sistema político-partidário viciado (nominalista) e de uma cultura política degradada (privatista/instrumental). Esse estado de coisas parece convergir para a precariedade total (dissolução!?) do quadro institucional partidário. Mesmo o PT, classificado pelo Prof. Hamilton como o partido mais moderno da vida política nacional, deve sucumbir à degeneração. Tal diagnóstico coverge para uma causa principal: a ausência de responsabilização dos partidos políticos! Para tentar reverter essa tendência uma reforma política restritiva, com um verdadeiro empoderamento das máquinas partidárias, aparece como a única solução.
Por fim, a intervenção do Prof. Sérgio Azevedo restituiu o tom de "moderado otimismo" ao debate. Para começar ele passou a problematizar a dicotomia entre representatividade e governabilidade. Ou seja, ele questiona a relação necessariamente desproporcional entre a diversificação da representação (maior número de partidos) e a desestabilização do poder de governar. Além disso, para analisar de forma objetiva da realidade do política "não adianta prescrever o que ela deveria ser". Os atores reais não são irracionais por não se adequarem a agenda dos intelectuais. Todos eles, representantes individuais e instituições coletivas, partilham uma "dependência de trajetória" (com investimentos e eficácia produtiva) com relação às regras e procedimentos vigentes. Portanto, a maior dificuldade de uma reforma política não é de ordem conceitual e sim operacional: como mudar as regras do jogo sem criar incertezas e perdas? Segundo esse argumento, ao contrário de grandes reformas ou novos marcos regulatórios, mudanças incrementais e pontuais parecem ser as mais plausíveis e viáveis! De acordo com o Prof. Sérgio, por mais que tenhamos um crescimento e ampliação continuados da classe média, a presença do clientelismo e o peso das políticas distributivas devem durar bastante. Além disso, ele questionou o impacto relativo de uma cultura política "sofisticada" e chama atenção para a complexidade da equação entre acesso a informação, luta por interesses e decisão política (ver poliarquia!). Ele destacou a singularidade do fenômeno eleitoral Dilma, a histórica transferência de votos-prestígio de Lula e o desafio de uma engenharia política protagonizada por um ator dotado de "personalidade demais" como Dilma.
Um comentário:
Hamiltom falou em empoderamento?
Nossa que como ele diversifica vocabulário. é uma mala mesmo
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